Sem merenda nas férias escolares, fome pode aumentar e desenvolvimento das crianças corre risco
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 28,9% da população enfrenta a insegurança alimentar moderada ou grave no Brasil. As crianças podem ser as mais atingidas pela fome crescente no país e sem merenda nas férias escolares isso pode piorar, inclusive o desenvolvimento dos alunos corre risco.
Uma merendeira de escola pública em São Paulo, que não quis se identificar, disse que trabalha numa comunidade onde mais de 60% das crianças frequentam regularmente a escola só para se alimentar e que neste recesso escolar não sabe como estas crianças estão se alimentando.
“Trabalho numa comunidade muito carente e, como na maioria das escolas, 60% dos alunos se alimentam nas unidades de ensino porque é uma comida boa, de qualidade e bem temperada. As crianças brigam por isso, comem e repetem, e se pudesse levariam para casa. Agora nas férias era para ter um projeto de merenda, mas não foi pra frente. Não sabemos como estas crianças estão se alimentando”, afirmou a merendeira.
Ela contou que a escola está abrindo normalmente todos os dias em horário comercial e as funcionárias vão lá cumprir o horário, mas que um projeto de servir marmita, por exemplo, como aconteceu na pandemia, seria de muita importância.
De acordo com estudos da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), entre 2014 e 2019 os investimentos no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram reduzidos em R$ 924 milhões, ou seja, 18,9%. E entre 2018 e 2019, houve uma queda de R$ 200 milhões nas despesas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com o PNAE.
Diante do cenário de fome crescente no país, especialistas consultados pela BBC News Brasil apontam que as crianças podem ser as mais atingidas. Durante os primeiros anos de vida, a evolução do cérebro acontece a uma velocidade incrível — a 1 milhão de conexões entre neurônios por segundo. E a desnutrição pode impactar diretamente no fornecimento de nutrientes necessários para esse desenvolvimento.
A presidenta da CUT São Paulo, que é professora de educação artística e dirigente na Apeoesp, Telma Aparecida Andrade Victor, disse que neste momento no de recesso escolar e com tanta gente passando dificuldade, seria papel do Estado manter a merenda e a alimentação para as mães de crianças, jovens e adolescentes para que tem mais necessidades e precisam.
“Um governador consciente do seu papel de ajudar a população, sabendo da dificuldade que estamos passando neste país, onde Bolsonaro conseguiu colocar milhões de brasileiros e brasileiras na extrema pobreza, deveria viabilizar esta assistência porque são as escolas públicas que atende o povo sem distinção e na sua plenitude”, afirmou ela.
Segundo o banco de dados DataSUS, do Ministério da Saúde, 13,78% das crianças de até 5 anos atendidas pelo SUS de janeiro a setembro de 2021 apresentavam peso inadequado.
Para a professora é preciso “continuar lutando para que a população tenha o direito básico, que é de se alimentar porquê de barriga vazia ninguém aprende. A escola pública, gratuita, inclusiva, laica e de qualidade é com crianças alimentadas, para que elas tenham uma aprendizagem de verdade”.
Projeto para combater a fome
Vindo na contramão da realidade atual, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.901/2022, que prevê que alunos de escolas públicas poderão ter direito de se alimentar pelo menos duas vezes ao dia com a quantidade ideal de nutrientes para a idade.
No artigo da lei que determina que “alimentação escolar é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado”, a proposta adiciona um parágrafo para estabelecer que esse direito “compreende a efetiva disponibilização aos alunos de pelo menos duas refeições diárias completas, atendendo-se, integralmente, à ingestão diária recomendada de proteína, vitaminas e minerais para cada faixa etária”.
Em Belo Horizonte, segundo reportagem do G1, o projeto “Fome nas Férias” tem o objetivo de arrecadar alimentos e entregá-los para famílias da comunidade Helena Greco, no bairro Zilah Spósito, na Região Norte da capital mineira.
“A merenda é a garantia de refeição balanceada no dia a dia de 100 mil famílias que se encontram em extrema pobreza. Para essas crianças, nos períodos sem aulas é que a fome enfrentada pela família fica visível e se torna uma realidade a ser encarada” , diz a Associação Comida que Abraça.
Fonte: CNTE