O desprezo pelas merendeiras
Por Alexandre Brasil Fonseca
Professor da UFRJ e coordena a pesquisa “Mapeamento e delimitação da alimentação escolar no Brasil”, do Observatório da Educação/Capes-Inep
Os conhecimentos reunidos pelo campo da educação já são mais do que suficientes para atestar o quanto amplo e inclusivo é o processo educativo. A escola tem sido entendida como um espaço sociocultural, numa situação em que homens, mulheres e crianças se “educam entre si”, trocam experiências e conteúdos que vão muito além do espaço da sala de aula.
Em relação à alimentação, esta compreensão tomou escopo de lei ao se afirmar a importância da promoção de uma alimentação saudável e adequada nas escolas (Lei 1.010/2006) e ao definir novos parâmetros relacionados à aquisição, à abrangência e ao papel educativo da alimentação escolar (Lei 11.947/2009).
O Programa Nacional de Alimentação Escolar é uma das mais antigas e amplas políticas públicas em vigência no país, e as recentes alterações no programa representam importantes avanços, sendo uma referência internacional. Sua abrangência foi ampliada com a inclusão do ensino médio, reafirmando-se a alimentação escolar como um direito dos alunos.
A lei de 2009 exige que os governos municipais e estaduais utilizem, pelo menos, 30% dos recursos repassados pelo governo federal na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar. Essa decisão possui significativa importância, pois representa um importante estímulo para a economia, como também a possibilidade concreta de um menor consumo de alimentos industrializados graças à aquisição desses produtos in natura, os quais também ampliam a possibilidade de termos uma maior presença da cultura alimentar local.
O espaço da alimentação escolar representa uma rica oportunidade de exercício da tão desejada interdisciplinaridade, sendo também central para a educação em saúde. Nesta tarefa a comunidade escolar pode e deve ser acionada na promoção de inovadores processos educativos relacionados à alimentação, os quais precisam ir além da atuação dos profissionais de educação, incluindo os de saúde e os da assistência.
Nesse sentido, considera-se lamentável a afirmação neste GLOBO do subsecretário estadual de Gestão de Ensino, sr. Antonio Neto, segundo o qual é mais adequado que as merendeiras sejam terceirizadas, pois “não precisam ter uma base pedagógica”, já que para ele “uma merendeira só precisa manusear os alimentos”.
Historicamente tem sido atribuída às merendeiras uma posição socialmente inferior. As pessoas que exercem essa função são, em sua maioria, mulheres, negras, com baixa escolaridade e são vistas como semidomésticas. Para piorar, sua remuneração é baixa, menos do que a metade do que é pago aos funcionários terceirizados pelo governo estadual do Rio de Janeiro para exercer a mesma função.
As possibilidades de contribuição das merendeiras nos processos de ensino e aprendizagem são enormes. É fundamental que gestores e professores tenham em mente esta compreensão e que promovam ações e oportunidades para tal inserção em torno da multidimensionalidade da alimentação. Práticas que vão muito além do preparo e da distribuição dos alimentos e que incluem atenção, afeto, cuidado e conhecimento variados – oriundos tanto de saberes populares como científicos.
Também é fundamental que seja assumida a importância das merendeiras, com o desenvolvimento de uma carreira pública e de processos formativos em que as mesmas sejam incluídas, numa perspectiva de que sua formação vá além de aspectos higiênicos e sanitários, incluindo condições de trabalho, melhores salários e diálogo dessas chefs escolares com especialistas do campo da gastronomia, tornando os momentos de alimentação na escola espaço de mais prazer e de novas aprendizagens. Ações educativas desenvolvidas nas escolas em torno da alimentação precisam incluir a contribuição das merendeiras, as quais possuem uma relação direta com os alunos, e a possibilidade de partilhar novos e importantes conhecimentos com a comunidade escolar.